“O Douro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a refletir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta.“ Miguel Torga. O Douro que será sempre poesia e néctar, onde a força e resiliência estão sempre presentes. Lugar das minhas raízes e da minha matéria. Lugar único, ímpar no mundo!
“Um dia o destino, esse fio invisível dos deuses, quis que eu me fizesse gente, em frente ao Douro. Da casa onde nasci, ouviam-se o rumor do rio e da efusiva passarada que o animava e o apito do comboio a carvão que o ladeava, de tempos a tempos, era uma espécie de sopro cantante duma natureza que resistia à vertigem da tecnologia. Sou, pois, filho do Douro e os meus olhos têm na menina destes, como na de todos os durienses, o esplendor duma paisagem cultural única, cotejada em socalcos duros e aromáticos cheios de bardos de uvas produzidas entre sombras cálidas e gritos silenciados. O serpenteado do rio, com as suas curvas de mulher destemida, reprodutora, paria no bojo a alegria das cantigas ao desafio e um conjunto de tradições e lendas, umas de amor eterno, outras de copioso heroísmo, outras de desgraças divinas, em torno do néctar precioso, esse vinho de tom escarlate que os barcos rabelos levavam para terras longe dos meus sonhos. (…) Aqui construo a minha casa do ser. Não tencionando partir dela, é aqui que marco, por conseguinte, o local do encontro comigo mesmo. Não é sorte, nem desdita. Aceito serenamente o signo traçado e a certeza que o mais profundo afeto é o que se desenvolve sem se saber porquê. E, pesem embora as sombras das esquinas que me perseguem algures, é enorme o fulgor do prateado do rio ao entardecer e isso me basta para resistir até ao fim.”